sábado, 21 de fevereiro de 2015

Segundo dia - Ciclismo - 275 km

Mais uma noite mal dormida. A ansiedade e a preocupação não me deixaram dormir direito. De qualquer forma mantive minha estratégia de deitar, relaxar e não olhar para o relógio.

Saímos um pouco antes das 6:00 do hotel e a temperatura era muito gelada. O café da manhã foi tomado dentro da "Rock'n'Roll Van" a caminho para a largada. O local da largada era o mesmo da chegada do dia anterior.

Chegamos com meia hora de antecedência, somente uns 5 times já estavam lá, fizemos o check-in, tiramos a bike da van e voltamos para dentro. A temperatura dentro do carro era MUITO mais convidativa do que a externa, que estava em torno de 6 graus.

Aos poucos outros times foram chegando e o dia foi clareando com a mesma preguiça que nós estávamos para sair da van.

Faltando 15 minutos comecei a vestir a roupa, exatamente a mesma que usei no dia anterior (foi lavada assim que eu cheguei ao hotel). Faltando 10' saí do carro e dei uma voltinha na bike. Vi que o espelhinho estava caindo.  Precisei da ajuda do capitão do time, que com toda sua destreza, um diploma de engenheiro mecânico e um pouco de silver tape resolveu o problema.

Engenheiro Mecânico ajudando no conserto do espelhinho.
Alinhamos para a largada na ordem de chegada do dia anterior. Renato Valler, paulista de Piracicaba, era o primeiro. O clima era um pouco mais descontraído do que no dia anterior mas sabíamos que ia ser duro, 275 km é muito chão pra qualquer um! Trung, passou conferindo todo mundo e liberou para a largada.

Minutos antes de alinhar para a largada.
Rindo um pouco antes de encarar os 277 km nesse frio todo!
Renato Valler com as cores verde e amarela e seu capacete inspirado no do Senna na pole-position

Gritos de incentivo, palmas e muito barulho antes da largada. As equipes de apoio e os voluntários da organização capricharam muito durante toda a prova para manter os nossos ânimos lá em cima, mesmo quando estávamos com dificuldades.


Contagem regressiva... lá vamos nós! 10, 9, ... 1... Foi dada a largada! Devagar entramos na FL 520, o Billy, que tinha feito o melhor ciclismo no dia anterior, saiu em um ritmo bem forte, ninguém se meteu a tentar acompanhá-lo. O restante do pessoal formou um grande pelotão. As instruções da quinta-feira eram de que nas primeiras 10 milhas o vácuo seria "tolerado", já que a largada seria em massa. Por prudência tratei de ficar entre os 3 ou 4 primeiros do pelotão, assumindo a cabeça do pelote por alguns quilômetros. Triatletas são seres que na sua maioria não sabem andar no vácuo ou ter etiqueta de pelotão, essas características são muito pioradas quando se fala de triatletas de longa distância.

Na saída do funil de largada.
No meio do pelote na FL-520.
Após sairmos da highway seguimos por estradas secundárias mais tranquilas. Grande parte das equipes de apoio estavam após a curva à direita, esperando o pelotão passar. Lá uns voluntários estavam nos instruindo a quebrar o pelotão e "spread out"!

Apesar das instruções senti que tinha gente que não tinha entendido (ou fez que não entendeu) e continuou mamando no vácuo. Eu e o Renato estávamos mais ou menos no mesmo ritmo, no entanto,  permanecíamos bem distantes entre nós, seja na regra do vácuo lateral quanto no traseiro. Depois de uns 3 ou 4 km virei para uns "vaqueiros" que estavam na roda dele e falei que não poderiam permanecer na roda, a "zona de vácuo tolerado" já tinha ficado pra trás. Foi a mesma coisa que falar: "Gruda na roda dele!", eles não só grudaram na roda do Renato como também na minha. Eu, sinceramente, não esperava isso de duas pessoas que toparam fazer um Ultraman. Em outras provas (alguém falou Ironman Brasil?) talvez tenha gente que ainda não tenha sacado que o grande barato do triathlon é superar as próprias dificuldades e limites, de acordo com as regras, mas em um UM isso é inaceitável! De qualquer forma eu não ia ficar gastando minha energia brigando e dando uma de fiscal da prova. Assim que o primeiro fiscal passou, viu aquela festa e deu uma dura nos vaqueiros, que se distanciaram e só nos vimos de novo no dia seguinte, nenhum vaqueiro chegou a menos de uma hora da gente no final.

"Renatão, tem gente mamando no vácuo..."

Lá pelo km 40 cruzamos com o Toni, o espanhol, na contramão. Ele estava voltando para encontrar sua equipe. O pessoal na "Rock´n´Roll Van" tratou de corrigir o rumo dele e ligar para a sua equipe de apoio, a notícia era de que eles tinham atolado o carro em uma das paradas. Um pouco depois a fiscal da prova veio avisá-lo em um semáforo vermelho que eu, o Renato e o Toni paramos. Prontamente disponibilizamos as nossas equipes para que ele pudesse seguir a prova até que a sua equipe saísse da lama.

O Ultraman tem como lema três palavras havaianas, "Aloha" (amor), "Ohana" (família) e "Kokua"(ajuda), graças ao azar da equipe do Toni, a equipe da "Rock´n´Roll Van" pode botar esse lema na prática e ele foi "adotado" pelas próximas horas até que seu apoio voltasse à ativa.




Passamos por lugares muito bonitos, na região próxima ao Lake Monroe árvores que quase fechavam um túnel em cima da estrada com muitas air-plants. Um cenário bem diferente da planície ou da serra que eu estava acostumado a treinar.

Visual dos túneis de árvores com as air-plants
Ao fundo a "Rock´n´Roll Van" com a melhor equipe de apoio do mundo!

A temperatura lá pelo km 90 já estava bem melhor, lá pelos 10 graus (parece piada), eu já tinha voltado a sentir a ponta dos dedos da minha mão. O pé continuaria gelado e insensível até o final do dia, mesmo com o aumento da temperatura.

Na altura do km 100 formávamos um grupo distante em poucas centenas de metros, o John, eu, o Renato, o Toni e o Bernardo. Era possível ver as vans de apoio dos outros atletas quando faziam o "leapfrog" para a próxima parada. Cada vez que cruzávamos com eles tínhamos uma nova injeção de ânimo. Vez ou outra, dependendo do ritmo de cada um e dos semáforos, eu alcançava quem estava da minha frente ou era alcançado. Bem no espírito "Aloha, Ohana, Kokua" todas as vezes que juntávamos em um semáforo trocávamos umas palavras de incentivo.

O ritmo estabelecido e mantido desde o início estava muito bom, o batimento um pouco abaixo de 130 bpm e a média horária (líquida) acima de 31 km/h. A equipe de apoio era precisa como um relógio no abastecimento. Fosse lá o que eu pedisse o atendimento era imediato. Isso ajudou demais!



Lá pelo km 140 fiz uma pausa para aliviar a bexiga. Ótimo, como no dia anterior, todos os sistemas estavam ok! Logo depois de voltar a pedalar senti que a sapatilha esquerda tinha se soltado, estranho! Clipei o pé no pedal de novo e tudo tranquilo!

No km 150 pedi um sanduba de pão, geléia e queijo, estava uma delícia mas... 10 km depois eu senti um refluxo e um pouco de fraqueza. Parecia que o sanduíche tinha travado um pouco a absorção de energia. Ao parar em um semáforo ao lado da van eu comuniquei à equipe, teríamos que acionar o plano B, Coca-Cola!

Aproveitei o sinal vermelho e verifiquei a sola da sapatilha esquerda: A ponta do taco estava rachada e muito gasta. Ao clipar no pedal fiz alguns testes e vi que se puxasse muito com a perna esquerda a sapatilha se soltava, não poderia exagerar nas subidas vindouras.

Uns 20 minutos depois de começar a tomar a coca eu já estava me sentindo bem melhor, com o nível de energia voltando ao normal.

Na quarta colocação iniciamos o único trecho de ida e volta do dia, 19 km na Dewey Robins Rd. e junto com ela iniciou-se o trecho de subidas e descidas, guardado pela equipe da direção da prova, com requintes de crueldade para os últimos 100 km de pedal. Aliviei um pouco o ritmo até o km 180 para voltar a me sentir 100%. No retorno estava a Jane Bockus, a dona da marca Ultraman, anotando as passagens dos atletas e nos incentivando. Logo depois do retorno fiz mais uma pausa, dessa vez para tirar o colete quebra-vento, a temperatura já estava acima dos 15 graus e eu não mais precisaria do colete. Como em uma parada de box de F1, enquanto eu tirava o colete e o entregava à Carol, o André abastecia a fuel cell do guidon com 500 ml de Coca-Cola e 750 ml de isotônico Gu Brew, apesar de estarmos nos divertindo muito ninguém estava de brincadeira!

Dewey Robins Rd. o início do sobe-desce.

Do km 200 pra frente foi só sobe-desce, passar pela Sugarloaf Mountain Rd. foi um alívio, nela estava a maior subida da prova, com direito até a foto oficial! Moer em uma subida daquelas com uma TT não foi mole, mas como o percurso foi bem plano no dia anterior e até o km 180 do segundo dia, valeu o desgaste nos últimos quilômetros por conta da velocidade e conforto oferecidos a mais pela TT. 

Socando o pedal na Sugarloaf  Mountain Rd.
Chegando ao topo da Sugarloaf

A Sugarloaf sem dúvida foi a mais difícil, no entanto, depois dela vieram outras muito inclinadas, no entanto, mais curtas. Outra subida digna de nota foi "The Wall", subi fazendo zigs e zags de tão inclinada, não era hora de dar uma de valente e atacá-la, já estava economizando e guardando energia para os 84,4 km de corrida do dia seguinte. O cuidado com o taco da sapatilha esquerda também deu certo, em nenhum momento ele desclipou.

No km 232 a tela do GPS deu pau e não aparecia mais nada, foi uma pena pois não consegui guardar todo o segundo dia em um só arquivo. Tanto no primeiro quanto no segundo dia eu fiz um upload do percurso para o 910XT e não tive nenhuma preocupação na navegação.

Da Sugarloaf (km 220) até o km 250 o asfalto ficou bem áspero e ficar na posição aero não era muito confortável devido às vibrações. O pneu dianteiro (700x20) estava com 155 psi e quicava muito. As descidas eram curtas e eu chegava com facilidade acima dos 55-60 km/h, o melhor a se fazer depois de 250 km era segurar bem no guidon e manter o controle da frente da bike, faltava menos de 50 km para o final e um descuido a uma velocidade daquelas poderia arruinar o resultado na prova e talvez até mais...



A partir da detecção do refluxo no km 160 eu parei de comer as Powerbars, a única comida sólida ingerida foi uns 3 ou 4 pães de forma com geléia (1 de cada vez). A ingestão de Gu Brew, a Coca-Cola e os géis Roctane foram intensificados para segurarem a onda, e seguraram!

Nos últimos km já passava por algumas ruas e estradas que coincidiam com o  percurso do dia seguinte. O terreno bem acidentado já anunciava o que teríamos pela frente nos primeiros quilômetros da corrida. A equipe de apoio me manteve avisado sobre a chegada. Até o km 240 ninguém tinha cruzado a linha de chegada. Um pouco depois, Billy fechou com 8:09', assumindo a ponta com uma folga de quase 50 minutos!

Faltando aproximadamente 10 km fiz a última parada, tirei a segunda camisa e a equipe de apoio foi embora para me encontrar na chegada. Rodei aqueles quilômetros sem fazer nenhuma força, curtindo o belo visual dos condomínios que passava e soltando as pernas para o dia seguinte.

Camisa do LD pra terminar bem o dia

Faltando duas curvas já era possível de ouvir "A voz do Ultraman", Steve King, o narrador itinerante que apareceu várias vézes durante o percurso. Minha mãe me aguardava na última curva e o todo o pessoal restante estava a postos na linha de chegada. Muito bom poder ver toda a equipe e ainda meus pais, Dave e Patty Baylor e a surpresa do Eric Baylor e a Tina, que subiram de Naples.



Cruzando a linha de chegada do segundo dia

A felicidade de ter fechado o segundo dia com o quarto melhor ciclismo e ter subido para sétimo geral era grande mas era maior a alegria de estar inteiro e sem nenhuma caimbra, ambas as pernas não estavam travadas e tudo indicava que o esforço tinha sido na dose certa.

A única dor era no dedão do pé direito, como se a sapatilha tivesse ficado apertada nos últimos quilômetros, vai entender!

Sway, Carol, eu, Guilherme, André e Trung após os 277 km

Em poucos minutos estava na maca de massagem com o Ben, mesmo massagista do dia anterior. A receita foi a mesma. Enquanto fazia massagem o capitão do time de apoio do Toni, que chegou logo depois de mim, veio me cumprimentar e agradecer, foi um prazer poder ajudar!

Na maca de massagem do segundo dia,
recuperando para os 84,4 km do dia seguinte.
O Bernardo e o Renato chegaram logo depois e só se ouvia aquela bagunça em português, muito legal! Cumprimentei-os e agradeci toda a torcida de seus times de apoio.

Despedimos do pessoal, entramos na van e rumamos para o hotel. Uma dose de Endurox R4 e um Muscle Milk para iniciar a reposição.

Chegando no hotel a equipe fez uma limpeza geral no carro, tirando todo o material do ciclismo e aliviando a carga da "Rock´n´Roll Van" para o dia seguinte.

Depois do banho uma refeição gostosa, um bifão de contra-filé, batata assada "loaded" e uma "garden salad".

21:00 desligamos a luz do quarto, era necessário dormir cedo para acordar cedo e correr muito no dia seguinte.

Tempos ao final do segundo dia.

Um comentário:

  1. Maravilha de relato e show de prova, não necessariamente nesta mesma ordem. E meu amigo, realmente és um MONSTRO do ciclismo, pedalar abaixo de 130 bpm e a média líquida acima de 31 km/h - e viva o motor diesel!

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